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“Um dos mais terríveis crimes do século XX” (Simon Montefiore), “o único acontecimento da história europeia do século XX que pode ser comparado com outros dois genocídios, o da Arménia e o Holocausto” (Nicolas Werth), “um dos mais devastadores acontecimentos da História Contemporânea” (Robert Conquest), “terror pela fome” (Stanislav Kulchytsky), “abominação” (Georgy Sokolov), “a fome usada como uma arma contra as aldeias ucranianas” (Gerhard Simon),“campo da morte” (Alain Besançon), “genocídio pela fome” (Yves Ternon).
Por: Luís M. Ribeiro * |
É com estas palavras que diversos historiadores descreveram uma das maiores tragédias do século passado - o Holodomor ou Grande Fome da Ucrânia de 1932-1933 - e que, paradoxalmente, continua a não fazer parte da nossa memória colectiva. Graças à abertura dos arquivos da antiga União Soviética, é hoje possível reconstituir o processo de decisão política, a sequência de acontecimentos e o nível de responsabilidade do regime estalinista, bem como confirmar o carácter anti-ucraniano e genocidário do Holodomor. A causa primordial deste genocídio assenta nas opções políticas do regime totalitário estalinista: fundir todas as nações da URSS num único “povo soviético” munido de uma só mundividência e realizar o programa de colectivização agrícola e de industrialização acelerada (a “Grande Viragem”), mobilizando compulsivamente todos os recursos humanos e materiais do país. Neste contexto, a Ucrânia - a segunda nação mais populosa da URSS - representava para o regime soviético uma séria ameaça à integridade do império, devido à sua rica herança histórica e cultural e à persistência do sentimento independentista entre os diversos grupos sociais. Vendo no campesinato a base social do nacionalismo ucraniano, o poder estalinista utiliza a “arma da fome” para dizimar uma parte significativa da população rural, aproximadamente 3 a 4 milhões de pessoas. As brigadas de colecta, apoiadas pelas forças de segurança, efectuam autênticas expedições punitivas às aldeias, confiscando a produção agrícola e as próprias reservas alimentares. Estas requisições predatórias são acompanhadas de inúmeros abusos, violências físicas e detenções indiscriminadas; por sua vez, os camponeses sobreviventes são forçados a integrar as herdades colectivas e sujeitos a um regime laboral que, de forma eloquente, Nikolai Bukharin caracterizou de “exploração militar-feudal”. O Holodomor constituiu, assim, um meio para garantir a total colectivização do campesinato, e também um instrumento de subjugação política do povo ucraniano. Não é por acaso que o Holodomor ocorre em simultâneo com a revogação da política de autonomia cultural das populações ucranianas residentes em outros territórios da URSS (por exemplo, o Kuban, no Norte do Cáucaso) e com a aniquilação da intelligentsia nacional (só em 1932-1933, cerca de 200.000 pessoas são detidas pela polícia política). É precisamente o carácter “anti-nacional” que confere ao Holodomor a sua especificidade em relação à fome que devastou outras regiões (como o Cazaquistão) na sequência da campanha de terror contra os kulaks e da colectivização forçada. Assim, nos domínios histórico e jurídico, podemos formular as seguintes conclusões:
· O Holodomor foi o resultado de uma actuação política deliberada e sistemática por parte do regime totalitário soviético, consubstanciada na brutal supressão do ideal independentista; no extermínio em massa dos camponeses, pela fome, de modo a destruir a base sócio-económica do nacionalismo e a intimidar a restante população; na destruição do sistema económico pré-colectivista e na imposição de novas e difíceis condições de vida; no isolamento de vastos territórios da Ucrânia e das regiões da URSS com significativa população ucraniana; na ocultação das causas e da dimensão desta tragédia; · O carácter genocidário do Holodomor de 1932-1933 está em conformidade com a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, aprovada pelas Nações Unidas em 9 de Dezembro de 1948, e em particular com o disposto no Artigo 2.º, alínea c (“Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial”); · De acordo com a Resolução n.º 1481 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 25 de Janeiro de 2006, o Holodomor é consequência de uma política deliberada do poder soviético, sendo passível de condenação internacional como um crime do regime totalitário comunista. Mas a reflexão sobre o Holodomor impõe-nos, igualmente, uma conclusão de natureza moral: o dever de preservar a memória deste crime de Estado, sob pena de ser “simplesmente impossível compreender o século XX europeu” (Andrea Graziosi). * Professor de História, Portugal
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