29.04.2008
Tarás Shevchenko, 1814 – 1861, Ucrânia
É me indiferente, (1847)
Já não me importa...
É me indiferente
Que eu morra na Ucrânia, ou algures,
Que alguém me lembre, ou me olvide
Sozinho entre as neves do exílio,
Ai, não me importa, não me importa!
Cresci no exílio, como escravo,
Pois, exilado morrerei
E tudo levarei comigo.
Não deixo nem um rasto leve
Em nossa Ucrânia tão gloriosa,
Em nossa pátria escravizada.
Não lembrará o pai ao filho,
Não lhe dirá: "Ai, reze, filho,
Pois, pelo amor que teve à Ucrânia,
Outrora, foi sacrificado..."
E não me importa que esse filho
Reze, ou não reze por minha alma.
O que me dói é que homens maus
A Ucrânia embalam com mentiras
E um dia a acorde o incêndio e o roubo.
Ai, isso, sim é que me importa !
O Barco
O vento e o bosque falam,
Sussurram os juncos,
O barco vai com as vagas
Só no vasto mundo.
O barqueiro naufragado
Foi-se na corrente,
Cheio de água vai o barco
E ninguém o prende.
Até o mar azul alcança...
O mar soa bravo,
Os vagalhões brincam - dançam
Com os estilhaços.
Léssia Ukrainka (Larysa Kosach – Kvitka), 1871 – 1913, Ucrânia
Se todo meu sangue
Se todo meu sangue escorresse assim
como estas palavras! Se a vida passasse
como a luz vespertina que desaparece
desapercebida... Pois quem colocou
a mi como a guarda no pranto e ruína ?
E quem obrigou a aliviar os que vivem
no caleidoscópio da dor, da alegria ?
Quem foi que plantou no meu peito o orgulho ?
Quem me fez empunhar a espada cortante ?
Quem, ostentando a sagrada auriflama
de cantos e sonhos e a mente rebelde
deu a ordem suprema : " Não largues tua arma,
não cedas, não caias, não canses jamais ! ? "
Por que eu obedeço o estranho mandato,
não ouso deixar esse campo de honra
ou sobre a espada cair com meu corpo ?
O que não permite dizer simplesmente :
" Eu cedo. Destino, tu és o mais forte ! "
Por que, ao lembrar as humildes palavras,
aperto meu gládio invisível no punho
e gritos guerreiros ressoam no peito ?...
Pavlo Tychyna, 1891 – 1967, Ucrânia
Ritmo, (1920)
Quando passam duas moças esbeltas E ostentam com graça Papoulas vermelhas nas tranças, São jovens planetas longínquos. Flutuam. Átomos do cansaço no mundo, No mundo de trevas. Dançam, Levantam a poeira leve... Os sois giram ao redor E elas espalham resplendor pelo universo. Duas moças.
Antístrofe
Serviu leite às crianças famintas Ela mesma sentou-se, a pensar... E sobre a jarra, como de olhos cegos, lagrimas Tombaram. Rápida a primeira ; e a segunda, Como a contragosto... Duas moças.
Na praceta junto à igreja, (1918)
Na praceta junto à igreja
decorrendo a revolução.
- Que pastor! – gritaram todos, -
seja o nosso chefão.
Adeus, aguardem liberdade, -
aos cavalos, seguem o trilho!
Ferveu, fez barulho de verdade –
Apenas bandeiras floriram...
Na praceta junto à igreja
mães ficaram do véu:
ilumina então seu caminho,
lua clara que esta no céu!
Na praceta poeira se baixa.
Calam as conversas...
Escurece.
Noite cai.
Olena Teliha, 1907 – 1942, Ucrânia
A canção do crepúsculo
Lá fora, o dia arrefece ;
Já brilha a luz nas janelas...
Nas minhas mãos vem guardar
Teu ódio intenso e tua ira !
Coloca nos meus joelhos
Pedras dos dias ferozes,
E a prata amarga da fel
Me põe aos pés. E depois
Tua alma leve e liberta
Cante, qual pássaro livre,
E tu, o mais forte, te apoies,
A descansar, nos meus lábios.
Meu beijo morno e macio,
Igual a um riso de criança,
Apague o inferno flamante
Que tens no olhar e na mente.
Mas quando os ares cortam
Da luta o troar primeiro,
Eu mesma te aprontarei
Para a neblina de fumo.
Não levarás a meu pranto :
Depois chorarei, sozinha.
Uma arma só te darei:
Um beijo como um punhal,
Para que tenhas na luta,
Para gritar ou calar,
Boca certeira, qual tiro,
Dura como aço de espada.
Festa derradeira
Um dia quente: o trigo amadurece
E bagos cheios cerram a embriaguez...
Não o vivi, mas sinto que aparece
Meu dia com diadema e altivez...
O êxtase, o encontro, minha obra ?
Ou minha morte, num instante fiel ?
Minha alma, já madura, se desdobra
Em dois sabores — fel e hidromel.
E o ébrio coração será certeiro
Qual gládio invencível contra o mal:
Meu dia, minha festa derradeira,
Mais alto cume e queda abismal.
Vasyl Stus, 1938 – 1985, Ucrânia
Mar —
é negro torrão do passear
a alma de Mefistófeles
está sozinha.
O piano de cauda
esfria sob os dedos da moça,
e no abismo
precipita-se a terra.
Capim áspero
capta passos húmidos,
e a névoa pesada
cobre o gemido do elemento.
***
A alma — qual sino. Palavras,
Pesadas abelhas da tarde,
Hão de passar — esvazia
A brisa de mel. Escuta.
Silêncio, despe as palavras de asas !
Aumenta, silêncio.
Em memória de Alla Gorska
Flori, minh'alma! Deixa de gemer !
O sol da Ucrânia envolve o sol soturno,
Então procura a sombra do viburno,
Em águas negras — sombra de viver,
Onde de nós punhado vai sobrar
Só para preces, só para esperanças.
A morte é nossa sina sem bonanças.
Pois sangue de viburno vem pulsar
Tão forte em nossas veias retesadas.
Deslizam ao abismo sem parar
As uvas dolorosas do pesar,
Na eterna desventura sazonadas.
***
Entre os pardais, no pátio da prisão,
de súbito, escutei o chamariz
principiando fino a tecer
o azul ribeiro do pesar. Julguei
um riacho da primavera soluçar.
Dmytro Yatsyuk
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